Opinião
O dia que o seu Zé foi a julgamento popular
Por Nery Porto Fabres
Professor
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O banquinho de madeira estava na frente do chalé, mas não se via nada que indicasse a presença do seu José... àquela altura da manhã o seu Zé já teria conversado com metade da vizinhança.
Entre um mate e outro as conversas surgiam naturalmente. Ele sempre batia aqueles papos divertidos sobre tudo. Entendia de política, estava por dentro dos casos de polícia, manjava dos boatos de invasões extraterrestres, especulava assuntos de investimentos, conhecia os pivôs das intrigas em casamentos mal sucedidos.
O sujeito estava a par de qualquer fofoca ou notícia. Havia jornalistas das rádios e TVs que se socorriam dele para apresentar matérias de última hora. As financeiras, antes de cobrar os maus pagadores, iam ter uma conversa de pé de orelha com o Zé.
O cara sabia o melhor horário para pegar um devedor desprevenido em casa. O seu Zé era uma mistura de Sherlock Holmes e 007. Quando o banquinho de madeira de pitangueira, pintado com verniz incolor, na época que o Pelé jogava na seleção brasileira, estava sem o seu proprietário sobre ele, algo sério estava acontecendo.
Depois de algum tempo voltei a espiar o banco, até vi detalhes nunca antes percebido, encontrava-se descascando o verniz e apresentava rachaduras aparentemente antigas, talvez do tempo em que os torcedores jogavam as cadeiras ao chão quando Rivelino errava um pênalti.
Do nada chegou um corcel 2, novidade naquele tempo de Opala e Maverick, e desceu o seu Zé cheio de balaca. Pensei imediatamente, não é que o cara se ausentou porque foi pegar seu carro zero que havia chegado. Ele com um gesto manso arredou o banquinho, abriu o portão de madeira frontal e estacionou o carro entre a cerca de lambri e a casa.
Caminhou ajeitando a calça jeans, puxando o cinto pra cima e gritou pra sua mulher trazer o chimarrão e uma cadeira pra beberem na calçada. Esse foi o dia que ele mexeu com a vizinhança. Não havia quem não passasse em frente a sua casa e não parasse para um mate com a intenção de bisbilhotar a vida dele.
Queriam saber o preço, de onde tirou a grana, se a manivela dos vidros eram suaves, se a ventarola colocava ar pra dentro, se era melhor que o Fusca para dirigir... o feitiço virou contra o feiticeiro. A bola da vez, na rua, era falar do seu Zé.
Tantas foram as fofocas que a polícia bateu na casa do seu Zé. Diziam à boca de siri que ele traficava drogas, outros garantiram que o avistaram cometendo contrabando de bebidas na fronteira com o Uruguai.
Mais tarde saiu no noticiário que um idoso foi pego com a boca na botija roubando carros em estacionamento público. Muitos diziam que era obra do seu Zé.
O carro estava a menos de três dias no pátio e a vizinhança não cumprimentava mais o pobre e simpático velhinho, falavam cada coisa sobre ele que muitos já estavam pensando em mudar do bairro.
Aí a coisa tomou outro rumo, foi na segunda-feira, quando uma cegonha que transporta veículos veio buscar o carro. E o seu Zé manobrou o auto até subir na rampa e o ajeitar na carreta.
Noutro dia, já com o pátio vazio, a vizinhança foi ficando mais dócil com o pobre homem, no segundo dia as conversas voltavam lentamente. No final de semana tudo já estava normalizado.
Seu Zé ficou sabendo por parentes que a sua conduta estava na berlinda por causa do corcel no pátio. Deu um sorriso de canto de boca e tragou o mate amargo sentado no banquinho espiando os vizinhos, deixou eles sem respostas. Porém o homem tinha arrumado um bico de testador dos novos modelos numa revenda de automóveis.
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